Telefone
42.99867-9943

E-mail sinduepg@sinduepg.com.br

ENSINO REMOTO NA REDE ESTADUAL DE ENSINO RESULTA EM EXCLUSÃO DE ESTUDANTES E ADOECIMENTO DE PROFESSORES

06/10/2020 às 02:10


Longe das salas de aula desde março, estudantes e professores enfrentam dificuldades no ensino remoto, como falta de formação adequada para utilização das plataformas e sobrecarga de atividades.

Longe das salas de aula desde março, estudantes e professores enfrentam dificuldades no ensino remoto, como falta de formação adequada para utilização das plataformas e sobrecarga de atividades. Foto: Czekalski

Desde a suspensão das aulas em toda a rede pública e privada do Paraná em 17 de março deste ano, como medida emergencial contra a pandemia da Covid-19, o Governo do Estado tenta convencer toda a população e comunidades escolares que o “ensino remoto”, que teve início em meados de abril, é a melhor escolha para estudantes, professores e trabalhadores da educação. Na prática, relatos de professores e as atitudes do governador Ratinho Junior (PSD) e do secretário de Estado da Educação e do Esporte, Renato Feder demonstram que a situação está longe do apresentado por meio da propaganda governamental. A realidade é um cenário de exclusão de estudantes, professores sobrecarregados e doentes e um sistema que absolutamente não funciona. 

O Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual de Ponta Grossa (SINDUEPG) tem acompanhado de perto os problemas do ensino remoto nas Universidades do Paraná e reconhece ainda o agravante na rede estadual de ensino (fundamental e médio) imposto pelo Governo Estado aos trabalhadores da educação. 

O SINDUEPG relata a experiência de duas professoras da Rede Estadual de Ensino durante as atividades remotas implantadas pelo Governo do Paraná. A professora Eliza Viola Leal atua na rede pública de ensino do estado do Paraná desde 2016 com aulas distribuídas em duas instituições ponta-grossenses, totalizando mais de 400 alunos nas disciplinas de Biologia e Empreendedorismo. Já a professora Michele Rotta Telles leciona História para oito turmas, totalizando aproximadamente 250 alunos, em um colégio da Rede Estadual do Paraná em Ponta Grossa.

Dados da Agência Estadual de Notícias do Paraná indicam que a rede estadual de ensino possui 2,1 mil escolas e mais de 1 milhão de alunos. Ainda segundo informações do Governo, cerca de 402 mil alunos haviam se cadastrado no Google Classroom, principal ferramenta das atividades remotas, até 6 de maio. 

O aplicativo Aula Paraná foi denunciado pela bancada de oposição na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) ao Ministério Público do Estado (MP-PR), no âmbito da Promotoria de Justiça da Educação de Curitiba. Foi determinada a instauração de procedimento administrativo para apurar possíveis irregularidades na contratação do aplicativo e na coleta e uso de dados de crianças e adolescentes. A bancada da oposição alerta para a falta de regras claras sobre a proteção à privacidade dos estudantes no uso do aplicativo.  


SOBRECARGA DE TRABALHO PARA PROFESSORES COM CONSEQUENTES PREJUÍZOS PARA ESTUDANTES

As professoras Eliza Viola Leal e Michele Rotta Telles acompanham de perto os impactos do ensino remoto, principalmente pela falta de domínio das ferramentas: "O ensino remoto é uma ferramenta interessante quando se sabe utilizar. Não acredito que esteja funcionando", afirma Eliza. Para a professora, o acompanhamento das aulas pelos estudantes em casa trouxe dificuldades também para os pais: "Os estudantes e pais têm que cumprir atividades que, em alguns casos, são impossíveis", comenta Eliza. 

Michele explica como funciona o sistema remoto para os professores: Temos duas principais frentes de trabalho que são as atividades remotas online, no Classroom, e as atividades remotas impressas, que são aquelas que os estudantes vão buscar na escola de 15 em 15 dias”. De acordo com Michele, um dos principais problemas é a sobrecarga de trabalho. “Do modo que está sendo colocado, a nossa demanda de trabalho triplicou em termos de carga horária e do que tem a ser feito”, garante.  

A professora Eliza também expõe sobre o excesso de trabalho:Eu não vejo um professor que não esteja reclamando de sobrecarga. A toda hora recebemos informações novas e os procedimentos mudam. Isso dificulta bastante o decorrer das atividades, porque quando a gente está aprendendo determinado procedimento, ele é alterado”. 

Uma das queixas das professoras sobre o excesso tem origem na falta de planejamento por parte do Governo na implantação do ensino remoto: Não conseguimos dar conta do conteúdo, da quantidade de informação que chega para nós. Não consigo nem ler tudo que chega. É muita informação jogada sobre nós. Estamos descobrindo ao dividir com outros professores, para ver se a gente consegue entender e utilizar. E leva muito tempo, estamos trabalhando o triplo do que deveríamos”, relata Eliza.

A falta de planejamento e o diálogo com a categoria recai também na constante alteração de medidas pelo próprio Governo, conforme relata Eliza: A toda hora mudam as orientações. E, quando você já tinha planejado tudo, tem que alterar tudo e tentar fazer de outro jeito, sob as novas regras. A quantidade de informação que chega para nós e a sobrecarga mental são muito grandes”. O que acarreta em trabalho excessivo, segundo Eliza. “Estou trabalhando muito mais, mas o trabalho mental desgasta e tem uma hora que eu chego a entrar em pane, eu travo. E isso que ainda me considero beneficiada porque eu não tenho filhos”, acrescenta. 

A professora Michele também observa a falta de diálogo do Governo com os profissionais da Educação: Do modo como está, em que vem tudo imposto e colocado só para a gente cumprir, se ignora o conhecimento que os professores e que os demais trabalhadores da educação têm da comunidade que atendem”. Michele assinala que o Governo desconsiderou a competência da própria escola:  “Portanto, ignora-se uma série de medidas que poderiam ser elaboradas lá dentro da escola e voltar especificamente para a comunidade”, destaca.

Para Tercio Alves Do Nascimento, presidente do Núcleo Sindical de Ponta Grossa da APP-Sindicato, o ensino remoto no ensino básico da rede pública do Paraná aconteceu de forma impositiva, sobrecarregando professores e excluindo estudantes. “Aconteceu sem com que os nossos professores tivessem nenhum tipo de formação. Não houve a preocupação inclusive em saber se os nossos colegas têm condições tecnológicas de poder preparar as suas atividades, dar a devolutiva aos alunos e assim por diante”, assinala. “O excesso de atividades, a pressão psicológica, a cobrança por parte do Núcleo Regional de Educação, que representa a SEED, também tem adoecido nossos professores”, afirma. 

“Os professores têm uma pressão enorme em cima deles, com o intuito de poder dar uma devolutiva positiva para a SEED, em outras palavras, números, estatísticas. A SEED em nenhum momento se preocupou em saber se os nossos alunos de fato estão retendo algum tipo de conhecimento”, defende. “Se o professor tem dificuldade, imagina a outra ponta, que são os nossos alunos. A falta de infraestrutura, a falta de apoio, são muito excludentes, levam os nossos alunos a ficar totalmente fora desse processo de aulas remotas”, diz. 

O descompromisso com a aprendizagem dos estudantes é outro aspecto apontado pelas professoras.A gente não tem como dizer se os estudantes estão aprendendo, como estão aprendendo e em que medida eles têm se apropriado do conhecimento ao qual estão tendo acesso, porque as atividades online, principalmente aquelas postadas pela Secretaria de Educação são, em sua grande maioria, objetivas. Há estudantes que, às vezes, numa sequência de um minuto, te envia uma atividade em seguida da outra”, comenta Michele. 

Para professora Michele, o cumprimento das atividades pelos estudantes não garante a aprendizagem. Virou tarefismo. Na escola, criamos um ambiente favorável para isso, com cuidado com a organização dos estudantes na turma, com o que falar, em que ritmo colocar, quais materiais oferecer, quais interações propiciar. Nas atividades remotas, isso fugiu do controle da escola e está sendo como é possível na casa de cada estudante. Isso aparece na qualidade do que eles estão conseguindo realizar”, afirma a professora Michele. 

A professora destaca que as condições em que são realizadas as atividades remotas não garantem a aprendizagem. Os estudantes não estão conseguindo estudar e, consequentemente, não estão conseguindo aprender. Não é porque eles são incapazes, sim porque as condições dessas atividades remotas do modo que estão sendo feitas não propiciam isso, não há como controlar todas as variantes que estão envolvidas”, destaca Michele. A professora destaca as fragilidades para se conferir a aprendizagem, o que traz prejuízos ao andamento normal dos anos letivos. “Eu não posso pressupor que o aluno dominou determinados temas ou tem referências e raciocínios de cada disciplina, que me permitem seguir adiante como se tudo tivesse corrido bem no ano anterior”.

Michele se preocupa com a retomada das aulas presenciais. “O retorno e o apoio aos alunos têm que ser debatido, tem que sair propostas das escolas, dos estudantes, dos professores, das famílias, e isso ir permeando todas as instâncias. Se não tiver essa construção coletiva e a longo prazo, os efeitos são de temporadas de estudantes que vão estar acumulando defasagem. Para oferecer tudo isso, eu penso que a primeira iniciativa está ligada à contratação de professores. Não dá para fazer um esforço duplo, que vai gerar uma demanda dobrada, com o quadro que atendia uma demanda menor”, propõe. 

Para o presidente do Núcleo Sindical de Ponta Grossa da APP-Sindicato, é necessário analisar as necessidades de professores e estudantes, junto à comunidade, para então traçar um plano de ensino que seja capaz de suprir as necessidades, dentro das possibilidades. “A gente precisa de interação com a comunidade escolar, com os nossos alunos, que os professores se sintam mais à vontade para poder utilizar todas as ferramentas necessárias com esse objetivo de fazer com que os alunos detenham informações. Quando eu falo deter informações são sugestões de leitura, são atividades lúdicas, são as atividades culturais, são atividades para que possam ter uma ocupação voltada para as suas atividades escolares, não simplesmente uma preocupação com nota, com o rendimento escolar, sem levar em consideração o próprio aprendizado. Sem esquecer que esse processo de cobrança tem prejudicado os nossos professores, que estão utilizando os seus equipamentos, suas casas, sua rede de internet, tudo pessoal. O governo do estado não ofereceu absolutamente nada ao professor e à professora para esse fim, a não ser cobranças”, finaliza.

SAÚDE MENTAL E FÍSICA

As professoras da rede estadual de ensino alertam para o adoecimento mental e físico dos docentes durante o ensino remoto. Agora estamos o tempo todo em frente a uma tela de computador e isso, pelo menos para mim, está piorando uma crise de ansiedade. Você não pode sair dali, não pode espairecer, dar aquela respirada em sala de aula, dar uma organizada na mente, falar com os alunos, falar com outras pessoas, falar com os outros professores. A gente está olhando para essa tela de computador, com muito trabalho para fazer”, conta Eliza. “E fisicamente eu vejo que tem piorado dor de cabeça. Na questão da ansiedade, tenho falta de ar, palpitação, irritação, porque você fala e parece que não está sendo ouvido, não consegue o retorno”, relata. 

Michele relata a ansiedade gerada pelo ensino remoto.Eu já me vi tendo crises de ansiedade durante essa pandemia, estresse é todo dia. A pressão de cobrar para fazer algo, como se a gente não estivesse tentando, isso também tem me deixado muito angustiada”, relata Michele. “Essa percepção de que o trabalho não está rendendo, que você está fazendo muita coisa e ao mesmo tempo parece que não está dando conta, sentimento de tristeza de não estar conseguindo ter esse feedback dos alunos”, acrescenta.

Além da ansiedade, as professoras relatam também dores físicas geradas durante o período do isolamento social e conciliadas ao trabalho remoto. A falta  de acolhimento está sendo cruel. Você soma tudo isso com a própria dinâmica de distanciamento social e isolamento, essas angústias se tornam físicas, tenho sentido muita dor de cabeça”, conta Michele. Professora Eliza também relata as dores físicas: “Como você está sentado o tempo inteiro, tem as dores na coluna. Na sala de aula uma das coisas relativamente boas é que você podia mesclar períodos sentada e em pé, andar pela sala”. As dificuldades do ensino remoto acontecem em meio às atividades domésticas. Você fica na frente do computador, no meio dos papéis, e ao mesmo tempo a dinâmica da casa está mais assoberbada, porque está todo mundo em casa. A demanda é grande e eu não tenho conseguido dar conta”, diz Michele.


INSEGURANÇA NO ATENDIMENTO À COMUNIDADE 

As professoras relatam ainda a insegurança aos profissionais da educação que são obrigados a estar na escola para atendimento à comunidade. “A equipe diretiva e funcionários do colégio, secretários, funcionários de limpeza sei que estão dando o seu melhor. Não me sinto segura e fico nervosa pela equipe que está lá, tendo que atender a população. Não acho que seja 100% seguro”, relata Eliza.

Michele também relata ansiedade em ter de ir à escola. “As idas à escola são mais um motivo de crises de ansiedade”, conta Michele. “O meu corpo tem falado, quando chegam os dias em que estou escalada eu já fico mais tensa, trêmula. De modo algum me sinto segura. A escola adquiriu álcool gel, um termômetro, mas com recursos próprios. Tenta-se criar uma dinâmica para não dar aglomeração, mas tem muitas famílias indo à escola buscar e devolver atividades”, comenta.

As professoras se queixam da ausência de preparo aos docentes por parte do Governo para os protocolos de prevenção nas escolas.  “Não tivemos uma instrução formal com alguma espécie de protocolo de atividades paradas resguardadas. Foi conversando no grupo de professores, foi dando sugestões que chegamos a uma ideia, mas demorou muito e nesse tempo ficamos expostos”, assinala Michele. Para a professora, o Governo deveria reconhecer que a pandemia impede um ano regular. “Não temos reuniões presenciais, mas eu acho muito imprudente as escalas de ir à escola, tentando atender a uma regularidade que não existe. Se as escolas, Núcleo de Educação e Secretaria de Educação de fato admitissem que a gente não está em um ano regular e não dá para seguir o mesmo ritmo, tudo isso ficaria atenuado”, afirma.